Estamos iniciando o planejamento da 2ª fase do Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio-Mar’.
Por Cel Eng R/1 Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 21 de Março de 2009
Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.
(Quintino Cunha)
Estamos iniciando o planejamento da 2ª fase do Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio-Mar’. Com o objetivo de iniciar uma metódica preparação intelectual sobre nossa próxima jornada, no rio Negro, no final do ano, vamos publicar uma série de artigos que visam apresentar aos leitores, um pouco, dos mistérios e encantos desta jóia de águas negras. A descida, de caiaque do ‘Rio Negro’, é, também, uma homenagem ao ano do centenário da morte do mais importante escritor da literatura, Euclides da Cunha, covardemente, assassinado em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade.
Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio Mar’ - 2ª Fase
Percorremos todo o Rio Solimões de Tabatinga a Manaus num percurso que superou os 1700Km tendo em vista a exploração de afluentes, paranás, furos e lagos ao longo de sua calha. Ainda não atingimos o Mar como o próprio nome do projeto indica, mas resolvemos que antes de atingi-lo devemos percorrer o quarto maior rio brasileiro, em vazão, o Rio Negro. Com uma demanda superior à de todos os rios europeus juntos ele é responsável por 15% da água que o Amazonas despeja no Oceano Atlântico. No Negro encontramos os dois maiores e mais belos arquipélagos fluviais do mundo, o de Mariuá com mais de 1200 ilhas e das Anavilhanas com 400 ilhas, o espetáculo é complementado, ainda, com o Parque Nacional do Jaú e as incomparáveis praias de areia branca, constituídas basicamente de grãos de quartzo, um cenário de pura beleza que pretendemos registrar a cada remada. Ainda estamos na fase de planejamento e treinamento, sem uma data certa para o início da jornada, tendo em vista de que não dispomos dos recursos necessários, da ordem de, R$30.000,00, para a execução do projeto.
Rio Negro
O maior afluente da margem esquerda do rio Amazonas e, o mais extenso rio de água pretas do mundo é navegável por mais de 700km acima de sua foz. Na estação das chuvas suas margens são inundadas em larguras de até 600 km. Suas águas têm origem em nascentes de áreas de sedimentos terciários conferindo-lhe a cor do chá preto. As águas são ácidas e a elevada acidez decorre da presença de grandes quantidades de substâncias orgânicas dissolvidas, oriundas de solos arenosos cobertos por vegetação. Em regiões de relevo plano e baixas altitudes as chuvas removem do solo as partículas minerais mais finas junto com o material orgânico e formam solos arenosos, denominados podzóis. O processo, chamado podzolização, produz uma camada superficial de solo, areia branca, formado, sobretudo, de grãos de quartzo. Com o nome de Guainía, nasce no leste da Colômbia, e depois da junção com o Cassiquiare, recebe o nome de rio Negro. Entra no território brasileiro, na tríplice fronteira, nas proximidades da localidade de Cucuí, sede do 4º Pelotão Especial de Fronteira, no estado do Amazonas, e segue a direção geral sudeste, margeando as localidades de Içana, Barcelos, Carvoeiro e Airão. Próximo a Manaus forma um estuário de cerca de seis quilômetros de largura no encontro com o Solimões, e a partir daí recebe o nome de Amazonas.
Cassiquiare
O rio ou canal Cassiquiare é um canal natural, com 326 km de comprimento, que liga margem esquerda do rio Orenoco à margem esquerda do rio Negro. O Cassiquiare é um defluente do Orenoco e é navegável a maior parte do ano por pequenas embarcações. Essa rara ocorrência geográfica forma uma região, que abrange 1,7 milhões de quilômetros quadrados e cinco países, denominada de ‘Ilha da Guiana’. A ‘Ilha’ é limitada pelo Oceano Atlântico, entre a foz do Orenoco e o Amazonas, pela calha do Orenoco, canal do Cassiquiare, Negro e Amazonas compreendendo o leste e o sul da Venezuela, a Guiana, o Suriname, a Guiana Francesa e, no Brasil, o Amapá, o norte do Pará, Roraima e uma parte do norte do Amazonas.
Controversa existência do Cassiquiare
Francisco de Orellana menciona que os dois grandes rios eram interligados por um grande lago abaixo da linha do equador, denominado lago Manoa ou lago de Parimé.
Walter Raleigh, na sua expedição de 1596 pelo Orenoco recolheu informações entre os nativos sobre a interligação, que atribuiu à existência de um grande lago que poderia ser ou não o próprio Rio Amazonas.
Cristóbal de Acuña, em 1639, faz a primeira descrição do canal, mas que foi desconsiderada já que tal bifurcação fluvial foi considerada improvável e anti-natural.
Manuel Román, em 1744, navega ao longo do Cassiquiare até ao rio Negro, regressando depois pela mesma via ao Orenoco.
Charles Marie de La Condamine apresentou perante a Academia Francesa uma descrição da viagem do padre Manuel Román, confirmando a existência do canal. Na oportunidade a maioria dos acadêmicos europeus se manifestou contra a existência do canal.
A Comissão de Demarcação espanhola, em 1756, comandada por José de Iturriaga, percorreu demoradamente a região comprovando a existência do Cassiquiare.
Alexander von Humboldt, em 1800, explora detalhadamente o rio e publica, em 1812, um mapa detalhado da região, mostrando o curso do canal e os seus pontos de inserção nos rios Orenoco e Negro.
Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio (1774/1775)
Os portugueses foram, na verdade, os primeiros a comprovar fisicamente a descoberta do tão inusitado canal conforme o diário de viagem de Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio em 1774.
“Diário de uma viagem que em visita, e correição das povoações da capitania de S. Joze do rio Negro fez o ouvidor, e intendente geral da mesma Francisco Xavier Ribeiro de Sampaio, no anno de 1774 e 1775 (Lisboa: na Typografia da Academia em 1825).
CCC
Porem o total, e ultimo descobrimento do Rio Negro se deve ás tropas chamadas de resgate, que authorisadas com as leis, e ordens necessarias hião a procurar escravos áquellas nações, e juntamente descer indios para as nossas aldeias de sorte que nos annos de 1743, e 1744 se penetrou pelo rio negro ao Orenoco descobrindo-se o braço delle chamado Parauá, e o canal Caciquiari, que o communica immediatamente com o rio Negro: isto antes que os castelhanos tivessem nem ao menos noticia do dito Parauá, e Caciquiari: pelo contrario duvidando seus escriptores da mesma communicação, como se pode ver da obra do Jesuita Gumilla, superior das missões do Orenoco, intitulada Orenoco illustrado. Escreverei as suas palavras por serem muito expressivas neste particular:
“Niyo (diz o citado author) ni Missionero alguno delos que continuamente navegan costeando el Orenoco, hemos visto entrar, ni salir al tal Rio Negro. Digo ni entrar, ni salir; porque supuesta ladicha union de ri os, restaba por averiguar de los dos, quien daba de beber aquien ? Pero lagrande, y dilatada cordillera, que media entre Maranhon, y Orenoco, escuza a los rios de este cumplimento y nós outros de esta duda.
CCCII
No dito anno de 1744 entrou Francisco Xavier de Moraes em companhia de outros portuguezes com luma publica, e authorizada bandeira pelo rio caciquiari, e sahindo depois pelo parauá encontrou quasi junto ao orenoco verdadeiro ao jesuíta Manoel Romão, que por huma casualidade navegava por aquelle rio, o qual trouxe consigo para o arraial de ávidá. Essa foi a primeira ocazião, em que castelhanos virão aquelles rios: e então disse o mesmo jesuíta, que hia desenganar os moradores do Orenoco, de que este se communicava com o rio negro, e tão remotas erão as noticias desta communicacão, que no Orenoco se cria, que os habitantes do rio negro erão gigantes.
CCCIII
E na mesma obra fazendo-se huma exacta discripção do Orenoco, numerando-se os rios, que lhe são tributarios , se não diz palavra da parte superior, ou braço do Parauá, nem menos do Caciquiari.
CCCIV
Poronde fica patente, que todas as descubertas feitas até aquelle lugar são dos portuguezes, que pela sua industria, e trabalhos as concluirão: pois que os castelhanos não só ignoravão aquelles paizes, mas até os tinhão por fabulozos”.
Conclusão
O Rio Negro guarda muitas histórias ocultas nas suas escuras águas e, por isso mesmo pretendemos, mais uma vez, remada a remada, buscá-las, interpretá-las e traze-las ao conhecimento de todos os brasileiros. Ao contrário do que pensam alguns companheiros a maior dificuldade que encontramos, no projeto Solimões, não foi a descida em si, mas o seu planejamento, a busca de recursos e agora o apoio na publicação do livro que já está pronto para ser editado.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
90630 150 - Petrópolis - Porto Alegre - RS
Telefone:- (51) 3331 6265
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