terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Desafiando o Rio-Mar: Golfinhos da Amazônia


"Há mais pessoas que desistem, do que pessoas que fracassam!"

(Henry Ford)

Por Hiram Reis e Silva – Manaus (30 de Janeiro de 2009)

- Introdução

Durante nossa viagem pelo Solimões, fizemos várias referências a esses seres fantásticos e carismáticos que são os golfinhos de rio: o boto e o tucuxi. Considerados os animais aquáticos mais inteligentes da Amazônia, despertaram a curiosidade e a imaginação das populações ribeirinhas desde que travaram seu primeiro contato com os humanos.

Com a indicação e contatos feitos pela pesquisadora Vera F. da Silva, obtivemos a colaboração da equipe do IDSM e a oportunidade de, durante 10 dias, observar o trabalho de pesquisadores e desfrutar das belezas naturais da paradisíaca Reserva de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá (RDS Mamirauá).

A doutora Vera é especialista em mamíferos aquáticos amazônicos, bióloga, pesquisadora e chefe do laboratório de Mamíferos Aquáticos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), tem mais de 25 anos de experiência com golfinhos Amazônicos e coordena o Projeto Boto na RDS Mamirauá há 15 anos. Dia 29 de janeiro fomos até o INPA agradecer à amiga Vera sua colaboração e, na oportunidade, ela nos presenteou com um livro de sua autoria 'Golfinhos da Amazônia'. Em agradecimento à querida amiga e em reconhecimento a estas criaturas fantásticas que tivemos a oportunidade de conhecer, escrevemos o presente artigo.

- Lenda do Boto (Altino Berthier Brasil)

"Conta a lenda que o boto encontrado nos rios da Amazônia, se transforma em um belo e elegante rapaz durante a noite, quando sai das águas à conquista das moças. Elas não resistem à sua beleza e simpatia e caem de amores por ele. O Boto também é considerado protetor das mulheres, pois quando ocorre algum naufrágio em uma embarcação em que o boto esteja por perto, ele salva a vida delas, empurrando-as para as margens dos rios. As mulheres são conquistadas pelo boto quando vão tomar banho ou mesmo nas festas realizadas nas cidades ribeirinhas. Os Botos vão aos bailes e dançam alegremente com elas, que logo se envolvem com seus galanteios e não desconfiam de nada. Apaixonam-se e engravidam deste rapaz. É por esta razão que ao Boto é atribuída a paternidade de todos os filhos de mães solteiras.

Reza a lenda que o boto costuma perseguir as mulheres que viajam pelos rios e inúmeros igarapés; às vezes, tenta virar a canoa em que elas se encontram e suas investidas contra a embarcação se acentuam quando percebem que há mulheres menstruadas ou mesmo grávidas. Esse particular é curioso, e devemos observar que, em relação à mulher menstruada, há uma série de alusões e tabus, que realmente servem de vetor para certas atitudes e crenças populares. Algumas pessoas confessaram temer viajar nos pequenos 'cascos' ou 'montarias', quando nelas está uma mulher 'incomodada'.

O boto é o grande encantado dos rios, que se transformando num guapo rapaz, todo vestido de branco e portando um chapéu - para esconder o furo no alto da cabeça, por onde respira - percorre as vilas e povoados ribeirinhos, freqüenta as festas e seduz as moças, quase sempre as engravidando. Há, inclusive, estórias em que a moça é fecundada durante o sono...

Para se livrarem da 'influência' do bicho, os caboclos vão buscar ajuda na magia, apelando para os curandeiros e pajés. O primeiro, com suas rezas e benzeduras exorciza a vítima, e o segundo 'chupa' o feto do ventre da infeliz. É esse Don Juan caboclo, o sedutor das matas, o pai de todos os filhos cuja paternidade é 'desconhecida', que deu origem a deliciosa expressão regionalista: 'Foi o boto, sinhá!'"

- Boto Vermelho (Inia geoffrensis)

A maioria dos especialistas defende a tese de que os seus ancestrais penetraram na Bacia Amazônica pelo Pacífico nos tempos da Pangea. Hoje sua distribuição se verifica na maioria dos rios do norte da América do Sul, em uma área de 5 milhões de km².

Os machos chegam a atingir 2,55 metros e pesar 185 quilos, enquanto as fêmeas 2,15 metros e 150 quilos. Diferente de seus parceiros marinhos possui um corpo robusto; em contrapartida, por não possuir as vértebras cervicais fusionadas, é capaz de movimentar a cabeça em todas as direções, possuindo também uma flexibilidade muito grande que lhe permite manobrar, com facilidade, entre as raízes e galhos dos igapós.

O nascimento, na Amazônia Brasileira, após um período de gestação de aproximadamente 11 meses, ocorre no período da vazante, agosto e setembro, quando há abundância de peixes. Os filhotes nascem sem dentes, com uma média de 90 cm e 13 quilos, e são amamentados durante mais de dois anos.

O boto é um exímio nadador e sua velocidade de deslocamento normal é de 1,5 a 3,2 km/h chegando em alguns casos a atingir de 14 a 22 km/h. Por mais de uma vez fomos acompanhados por estes animais magníficos e medimos velocidades que variaram de 12 a 15 km/h. O boto é um animal predominantemente solitário, anda aos pares e mais raramente em grupos de mais de dois indivíduos.

- Tucuxi (Sotalia fluviatilis)

Com o nome vulgar herdado dos índios Mayanas (tucuchi-una), o tucuxi é uma miniatura do golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) com um comprimento médio de 1,46 cm e peso médio de 50 quilos. O tucuxi é endêmico da bacia Amazônica e sua distribuição é limitada, ao contrário dos botos, pelas corredeiras de alguns dos principais afluentes do Amazonas, como o Negro (cachoeira de São Gabriel), o Madeira (cachoeira Teotônio) e o Xingú (cachoeira de Belo Monte).

O nascimento ocorre após um período de gestação de aproximadamente 10 meses, no período da vazante na Amazônia Central, entre outubro e novembro, e os filhotes nascem com uma média de 77 cm e 11 quilos.

- Associações

Embora não interajam de forma direta, os grupos se aproximam, em decorrência da busca por alimentos.  Foram observados grupos de tucuxis repelindo botos e, também, um tucuxi adulto brincando com um filhote de boto. Muitas vezes, tucuxis e gaivotas se alimentam na mesma região, embora não haja competição entre eles, já que as gaivotas comem peixes bem menores.

- Rio-Mar e os golfinhos

Nossas experiências com os golfinhos na descida do Solimões foram marcantes. Eles sempre apareceram para nos encantar, sinalizar ou apontar o local mais adequado que deveríamos seguir. Apesar de termos nossa malhadeira (rede) 'roubada' por um boto nas proximidades do flutuante Cauaçú, guardaremos com carinho a visão destes mamíferos aquáticos que tantas lendas despertam no imaginário popular dos ribeirinhos da Amazônia.

(*) Coronel de Engenharia; professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA); membro da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB); presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

Rua Dona Eugênia, 1227

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