sábado, 9 de maio de 2009

Quintino Cunha e o Rio Negro


Quintino Cunha e o Rio Negro
 
Por Cel Hiram Reis e Silva, 11 de Maio de 2009
 
“Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.
(Quintino Cunha)”.

Tenho transcrito em diversos artigos, sobre o Rio Negro, os versos de Quintino Cunha. Os leitores, curiosos, gostaram e me perguntaram, surpresos, quem era o autor. Atendendo suas solicitações faço um breve relato da figura ímpar desse ‘poeta de lúcida inspiração’.

 

- José Quintino da Cunha

 

O deputado, advogado, poeta, ficcionista, e orador José Quintino da Cunha nasceu, em Itapajé, antiga vila de São Francisco de Uruburetama, no Ceará, a 24 de julho de 1875. Estudou no Ginásio Cearense e na Escola Militar do Ceará, pois pretendia dedicar-se à vida da castrense. Fez sua estréia como jornalista, aos 11 anos, redigindo ‘O Álbum’ e como colaborador do jornal ‘O Cruzeiro’. Aos 16 anos, escreveu ‘O Cabeleira’.

 

Com a extinção da Escola, Quintino, migrou para a Amazônia onde recebeu ‘provisão’ para advogar, antes mesmo de se formar em Direito. Voltando para a terra natal bacharelou-se pela Faculdade de Direito do Ceará em 1909, exercendo a profissão de advogado criminalista.

 

Quintino tornou-se uma figura lendária no Ceará e era conhecido como o ‘Bocage’ cearense. Tornou-se famoso mais pelo seu estilo irreverente e carismático do que por suas belas poesias. Reverenciado como grande contador de anedotas, era um repentista emérito e suas tiradas de bom humor, o levaram a fazer parte do anedotário brasileiro.

 

Seu primeiro e mais famoso livro de versos, ‘Pelo Solimões’, foi publicado em Paris (1907) quando o poeta viajava pela Europa. Faleceu, em Fortaleza, na madrugada de 1º de junho de 1943. Em seu túmulo, consta a seguinte citação:


"O Padre Eterno, segundo

refere a História Sagrada

Tirou o mundo do nada

e eu nada tirei do mundo".


- A Enchente - Quintino Cunha

 

“Sinistro cresce o rio bom de outrora,

Mas hoje um cruel, fazendo mil estragos,

Já não tem coração, não tem afagos,

Para si mesmo, o Solimões d’agora;

 

Mas, em compensação, há nisto uns vagos

Tons de alegria impressionadora:

É que alegres os peixes vão-se embora,

Pelos igarapés, para os seus lagos.

 

E, do oeiranal, pousadas tristemente,

Com a mesma tristeza com que a gente

Se prostra, às vezes, quando sente mágoas,

 

As garças olham como a praia há de

Em breve se esconder, naquelas águas,

As garças olham... tristes de saudade!...”


- Carta a Quintino Cunha - Por Tenório Telles

 

(uma palavra sobre o encontro das águas)

 

Caro Quintino,

 

Espero que estejas bem por aí. Imagino o trabalho que estás dando ao bom Deus, com suas estripulias e sua mania de fazer pilhéria de tudo. Sei que um pouco de riso não faz mal a ninguém e, além do mais, ajuda a quebrar a monotonia celeste. Tome cuidado, soube que São Pedro não tem muito humor. Qualquer hora ele pode te colocar no olho da rua. Caso isso ocorra, venha para cá. Estamos precisando de ti por aqui. As coisas não estão bem e estamos preocupados com os últimos acontecimentos. Especialmente porque alguns espíritos de porco estão querendo construir um imenso porto nas Lajes, o que descaracterizaria a paisagem do encontro da águas.

 

Caro amigo,

 

Caso São Pedro não te mande embora, peça uma autorização do chefe do céu para que venhas nos ajudar nessa causa. Tem muita gente boa comprometida com a luta para impedir essa insanidade. Você será muito útil. Precisamos da sua pena afiada e da sua intrepidez para enfrentarmos esses senhores, doentes de ambição e que só pensam em dinheiro, que não conseguem perceber que a beleza do encontro das águas é mais valiosa do que um porto.

 

Vá logo preparando um novo poema sobre esse encontro mágico entre o Negro e o Amazonas. Sugiro que você os retrate como se fossem guerreiros, lutando contra esses capirotos. Lembrei-me de Dom Quixote combatendo os dragões. Pus-me a pensar no teu poema, na estrofe em que descreves os dois rios (fiquei emocionado com a tua sensibilidade):

 

“Vê bem, Maria aqui se cruzam: este

É o Rio Negro, aquele é o Solimões.

Vê bem como este contra aquele investe,

como as saudades com as recordações.

 

Vê como se separam duas águas,

Que se querem reunir, mas visualmente;

É um coração que quer reunir as mágoas

De um passado, às venturas de um presente.

 

É um simulacro só, que as águas donas

D'esta região não seguem o curso adverso,

Todas convergem para o Amazonas,

O real rei dos rios do Universo;

 

Para o velho Amazonas, Soberano

Que, no solo brasílio, tem o Paço;

Para o Amazonas, que nasceu humano,

Porque afinal é filho de um abraço!

 

Olha esta água, que é negra como tinta.

Posta nas mãos é alva que faz gosto;

Dá por visto o nanquim com que se pinta,

Nos olhos, a paisagem de um desgosto”.

 

Sabe, Quintino, a estrofe em que falas do Solimões é a que mais gosto, por razões afetivas. Passei a minha infância na beira desse rio. Tomava banho em suas águas, mergulhando como um peixe, até o fundo. Estou entranhado até a alma pelo Solimões: saciávamos a sede com sua água. No pote ficava friazinha. Esperávamos sentar no fundo para, então, bebê-la. Ainda hoje sinto o seu sabor e aquele gosto de terra. Esse rio está em mim. Por isso sinto a sua falta e o amo tanto. Há dias em que sinto seu cheiro, ouço o silêncio de suas águas, sua irritação nos dias de temporal. Sinto em meu rosto a brisa que sopra ao amanhecer. Esse rio é uma metáfora da vida. Cumpre com bravura e desapego a missão de dar de beber e alimentar a terra, as plantas, os bichos e os seres humanos. Meu Solimões é, como dizes, um rio virtuoso:

 

“Aquela outra parece amarelaça,

Muito, no entanto é também limpa, engana;

É direito a virtude quando passa

Pela flexível porta da choupana”.

 

Quintino, tenho a impressão que estavas apaixonado quando escreveste esse poema. Na última estrofe, ressaltas a força do sentimento que te unia à mulher amada, em correlação com a vitalidade e a grandeza das águas dos dois rios. Sabias que é do amor que nasce o grande e o belo:

 

“Se estes dois rios fôssemos, Maria,

Todas as vezes que nos encontramos,

Que Amazonas de amor não sairia

De mim, de ti, de nós que nos amamos!!...”.

 

Essas pessoas que engendraram esse porto, que pode vir a ser o sepulcro desse monumento que nos foi dado por Deus, não têm sensibilidade para perceber o crime que estão cometendo contra a memória e nossa identidade cultural. Também não têm olhos para o belo e o sublime que emanam desse cenário mágico. Márcio Souza tem razão, não dá para imaginar Manaus ‘sem o espetáculo do encontro das águas’.

 

Caro Quintino, ia me esquecendo, dê uma palavrinha com Deus, quem sabe ele não toca o coração desses homens. Por via das dúvidas, vou falar com a mãe-d’água e com os bichos do fundo. Se não for suficiente, vou conclamar os espíritos da floresta e desencantar Ajuricaba para liderar essa cruzada.

 

PS.: Este texto é para Ademir Ramos e sua falange de defensores do encontro das águas”.

 

Tenório Nunes Telles de Menezes nasceu em Anori, AM, em 1963. Membro da Academia Amazonense de Letras, professor de literatura brasileira, é formado em Letras e em Direito pela Universidade Federal do Amazonas.

 

- É um desaforo!

 

Quintino fazia uma viagem de trem para Cariús, Ceará. No caminho havia uma parada em Iguatu.

 

Era o dia da inauguração do novo prédio do Fórum (ou Foro, como queiram). Alguns colegas, ao encontrarem Quintino na estação, convidaram-no para participar da solenidade.

 

Mal-humorado, Quintino perguntou:

 

– Quem é o juiz?

– É o Doutor Rolim.

– O promotor?

– Orlando Cidrão.

– E os advogados?

– Terêncio Guedes e Mário Pedrosa.

 

Desdenhoso, o matreiro advogado torceu o nariz e resmungou:

 

– Pois isso não é um Foro! É um desaforo!”

 

(Adaptado do livro ‘Anedotas do Quintino’, de Plautus Cunha. Colaboração de José Rodrigues dos Santos, de Fortaleza, Ceará)

 

- A Paciência do Juiz

 

Em uma cidade do interior cearense, das muitas pelas quais Quintino andava, um rico e, portanto importante morador achava de insultar sempre um pobre e infeliz bêbado muito popular na cidade.

 

- Bêbado safado! Vagabundo! Corno!

 

E todo dia era a mesma história. Durante dez anos o pobre homem aguentou as ofensas. Mas um dia a paciência acabou e o bêbado matou o ofensor.

 

Nenhum advogado queria defender o coitado. Quintino, sabendo do acontecido, logo se apresentou como advogado deste.

 

No júri, o promotor praticamente liquidou com as chances de defesa do inditoso acusado.

 

Já o Quintino, iniciou com estas palavras:

 

- Meritíssimo senhor juiz!

- Meritíssimo senhor juiz!

- Meritíssimo senhor juiz!

 

Por dez minutos o intrépido advogado repetiu essas palavras dando uma leve batida na mesa. O juiz se impacientou e falou.

 

Doutor Quintino, eu não agüento mais, pare com isso e comece logo!

 

Era só o que o Quintino queria ouvir para arrasar o argumento do promotor.

 

- Meritíssimo senhor juiz, por apenas dez minutos eu repeti um respeitoso elogio e Vossa Excelência já se impacientou. Imagine então, um homem agüentar, por dez anos seguidos, os maiores insultos, pelo simples motivo de se embriagar…

 

- O acusado foi absolvido por unanimidade”.

 

(Do anedotário popular - Redação: Ceará-moleque)


Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

 

Telefone:- (51) 3331 6265

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E-mail: hiramrs@terra.com.br



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