Johann Natterer e o ‘Rio Negro’
1. Por Cel Eng R/1 Hiram Reis e Silva, Porto Alegre, RS, 06 de Abril de 2009
Olha esta água, que é negra como tinta.
Posta nas mãos, é alva que faz gosto;
Dá por visto o nanquim com que se pinta,
Nos olhos, a paisagem de um desgosto.
(Quintino Cunha)
Estamos iniciando o planejamento da 2ª fase do Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio-Mar’. Com o objetivo de iniciar uma metódica preparação intelectual sobre nossa próxima jornada, no rio Negro, no final do ano, vamos publicar uma série de artigos que visam apresentar aos leitores um pouco, dos mistérios e encantos dessa jóia de águas negras. A descida do ‘Rio Negro’, de caiaque, é, também, uma homenagem ao importante escritor da literatura brasileira, Euclides da Cunha, no ano do centenário da sua morte. Euclides foi covardemente assassinado em 15 de agosto de 1909, aos 43 anos de idade.
- Projeto-Aventura ‘Desafiando o Rio Mar’ - 2ª Fase
Percorremos todo o Rio Solimões, de Tabatinga a Manaus, num percurso que superou os 1700 quilômetros, tendo em vista a exploração de afluentes, paranás, furos e lagos ao longo de sua calha. Não atingimos o Mar, como o próprio nome do projeto indica, mas resolvemos que, antes de atingi-lo, devemos percorrer o quarto maior rio brasileiro em vazão: o Rio Negro. Estamos na fase de planejamento e treinamento sem uma data marcada para o início da jornada, tendo em vista que ainda não dispormos dos recursos necessários, da ordem de R$30.000,00 para a execução do projeto.
- Emile Auguste Goeldi (1896)
"O mais zeloso e o mais fecundo colecionador zoológico que pisou a América do Sul. Não o julguem pelo número de livros por ele publicados, pois são poucos - também não o julguem pela pequena ou nenhuma importância, que acaso lhe diga qualquer dicionário ou enciclopédia daqueles que vos caiam primeiro às mãos na biblioteca que mais próxima for, pois os respectivos autores, por via de regra, o desconhecerão. Explica-se toda nitidez aqueles que pisam as mesmas sendas, que o naturalista cujo nome encima estas linhas, aos cultivadores do mesmo campo, aos caracteres que alguma afinidade possuem para as predileções científicas e para o rumo específico da ocupação intelectual - e estes são poucos. Dá-se com Natterer o mesmo que com o arquiteto que morre, deixando de um grande e complicado edifício apenas prontos os alicerces: quantos terão os conhecimentos profissionais e o poder mental para adivinhar o plano geral do seu todo e nos seus pormenores?"
- Johann Natterer
Johann Natterer, naturalista e explorador austríaco, nasceu em 9 de novembro de 1787 em Laxenburg, pequena cidade ao sul de Viena, Áustria. Era filho do falcoeiro imperial Joseph Natterer, cujo interesse voltava-se também ao colecionamento de aves e insetos. Joseph montou uma magnífica coleção que, em 1793, foi adquirida pelo imperador austríaco Francisco II incorporando-a aos ‘salões do imperial gabinete zoológico’. Influenciado pelo pai com quem aprendeu a arte da taxidermia, dedicou-se ao estudo da química, anatomia e história natural nos institutos de ensino superior vienenses, enquanto desenvolvia seus dotes de desenho e linguística.
Depois de realizar, bem sucedidas, excursões científicas na Hungria, Dalmácia e Itália, Natterer passou a ser considerado e respeitado como perito na sua especialidade. Em 1816, foi nomeado assistente da Coleção Zoológica Imperial, ganhando a necessária visibilidade junto à comunidade científica e política o que lhe permitiu, mais tarde, integrar a equipe de naturalistas que veio ao Brasil no início do século XVII.
- Viagem de Naturalistas ao Brasil
A Expedição Austríaca ao Brasil (Österreichische Brasilien-Expedition), foi organizada e financiada pelo Império Austríaco e realizada entre 1817 e 1835. Seu principal objetivo era investigação científica nas áreas da Botânica, Zoologia e da Etnologia. A expedição teve como principal apoiador o príncipe, diplomata e estadista Klemens Wenzel Lothar Nepomuk von Metternich. Metternich foi presidente do Congresso de Viena onde influenciava, decisivamente, as decisões que ali eram tomadas.
Em 1817 chegaram ao Brasil, três importantes grupos de naturalistas selecionados por E. Schreiber, diretor do Museu de Viena. Os pesquisadores engajaram-se à esquadra que trazia a arquiduquesa austríaca Leopoldina Carolina Josefa para casar-se com D. Pedro. O grupo mais completo era liderado pelo naturalista tcheco Johann Christian Mikan, acompanhado do jardineiro Heinrich Scott, dos pintores Thomas Ender, Franz Joseph Frübeck e Johann Buchberger, do bibliotecário Rochus Schüch e, dos coletores Johann Natterer e seu ajudante Dominick Sochor. A participação mais importante desse grupo deve, sem sombra de dúvida, ser credenciada a Natterer que, por quase 18 anos (1817-1835), dedicou-se à coleta e preparação de material biológico e etnográfico em enorme extensão do território brasileiro.
- Johann Natterer no Brasil (1817-1835)
Ao desembarcar da fragata Augusta, no Rio de Janeiro, em 5 de novembro de 1817, Natterer tinha 29 anos e uma experiência considerável como caçador, preparador, desenhista e linguista. Em decorrência de alguns problemas administrativos e de liderança se afastou do grupo e decidiu trabalhar somente com seu ajudante Dominick Sochor. Rumou para ao sul, percorreu o litoral fluminense, São Paulo, entrou no Paraná até Paranaguá, e retornou ao Rio de Janeiro. Passou, então, por Santos e, em seguida, partiu em direção ao Brasil Central. No alto Guaporé contornou a fronteira com a Bolívia, passando por Rondônia, e desceu o Rio Madeira até o Amazonas.
- Johann Natterer no Rio Negro
Sozinho, seu companheiro Sochor sucumbira à malária, no Mato Grosso, em 1826, resolveu subir o Rio Negro até atingir o extremo noroeste brasileiro e, depois, o estado de Roraima, pelo Rio Branco. Percorreu o Rio Branco desde a sua foz até os rios Uraricoera e Tacutu, de onde atingiu o Cotingo e o Maú. Uma jornada de aproximadamente dez meses em que elaborou anotações e coletou espécimes da avifauna, entomofauna e da ictiofauna do vale do rio Branco.
Natterer se destaca, dentre os demais pesquisadores, pelo período despendido em campo, quase 18 anos, pela enorme capacidade de trabalho de campo e uma disposição inquebrantável em cumprir os objetivos de coletar, trabalhar zelosamente na preparação dos exemplares e ilustrar tudo o que podia. Rotineiramente despachava para Viena remessas de exemplares obtidos, evitando a deterioração, decorrente do ambiente quente e úmido dos trópicos, fungos, saques e destruição por parte de pequenos animais como ratos e formigas.
Para a Ornitologia, trouxe informações biológicas até então ignoradas ou desconhecidas da ciência. As anotações sobre as peles de cada espécime receberam uma atenção especial nas quais relatava cuidadosamente dados importantes como características morfológicas, anatômicas e até comportamentais. Uma parte de seus manuscritos foi destruída, em 1849, no incêndio do Museu de Viena, perdendo-se um dos maiores e mais importantes bancos de dados sobre aves tropicais. Felizmente grande parte da coleção de aves coletada no Brasil encontra-se intacta, sob a guarda do Naturhistorischen Museum de Viena.
- Casamento em Barcelos
Em 1831, casou-se em Barcelos, primeira capital do Amazonas, com a brasileira Maria do Rego, tendo com ela três filhos. Embora Maria do Rego tivesse nome português era uma índia da etnia Mura. O austríaco levou a família para a Áustria, a esposa e duas crianças não resistiram ao primeiro inverno. Só sobreviveu a filha mais velha, Gertrude. Maria do Rego havia batizado a filha com esse nome em homenagem à curandeira local, ‘Dona Gertrudes’, que salvara sua vida por mais de uma vez. Gertrude casou-se com um nobre austríaco chamado Julius Schröckinger Ritter von Neuenberg e a partir de então passou a ser conhecida como baronesa Gertrude von Schröckinger.
Alfred Russel Wallace, em suas ‘Viagens pelos rios Amazonas e Negro’ menciona na sua obra ter encontrado outra filha do pesquisador: “Logo que a vi, fiquei imaginando se não seria ela a jovem de quem o Sr. Lima me falara, dizendo tratar-se da filha que o célebre naturalista alemão Natterer tivera com uma índia. Ti-ve nova oportunidade de vê-Ia em Guia, e verifiquei que minha suposição fora correta. Ela devia ter uns 17 anos, estava casada com um índio e já tivera alguns filhos. Era um belo espécime da magnífica raça oriunda do cruzamento dos sangues saxão e indígena”.
- Johann Natterer no Brasil (1817-1835)
“Em 1835, as ruas de Belém do Pará fervilhavam de barricadas e tiroteios. A gente pobre, caboclos, índios, negros e mulatos, chamados de cabanos, havia tomado o governo à força reivindicando a autonomia da província. Era a Cabanagem (1831-1836), uma das mais violentas revoltas civis do Brasil. Em plena luta, um europeu branquelo e de cabelos encaracolados esgueirava-se entre as vielas do porto. Correndo risco de morrer, ele carregou dezenas de caixas cheias de plantas e animais para uma corveta inglesa fundeada na baía. Mas os cabanos descobriram seu depósito e roubaram tudo o que encontraram, dinheiro, roupas, espingardas e pistolas. Pior: uma anta e uma tartaruga, raridades que o colecionador pretendia levar vivas para a sua pátria, a Áustria, foram sumariamente assadas e comidas.
Terminou assim a mais longa expedição realizada por um pesquisador estrangeiro no Brasil. O austríaco Johann Natterer (1787-1843) coletou o maior acervo biológico reunido aqui por uma única pessoa. Durante dezoito anos viajou pelo interior do Brasil, passando pelas províncias do Rio de Janeiro, São Paulo, Mato Grosso, Amazonas e Pará, recolhendo espécies para o imperador austríaco Francisco I (1768-1835). Mais explorador do que cientista, Natterer enviou para Viena, em várias remessas, 12 293 pássaros empalhados - em média, coletou quase dois pássaros por dia em que esteve no país -, 1.146 mamíferos, 1.621 peixes, 32.825 insetos e mais anfíbios, crustáceos, moluscos, conchas, vermes, crânios de índios e toras de madeira. Reuniu até espécimes que os cientistas ainda não tinham catalogado, como o peixe-boi e a piranha-vermelha da Amazônia, que acabou recebendo o nome científico de Serrasalmus nattereri em sua homenagem”. (O homem que colecionou o Brasil - Fábio Sanchez - Superinteressante - Edição 148, Janeiro de 2000)
- Natterer de volta a Londres
Chegou a Londres, em 9 de novembro de 1835, onde permaneceu convalescendo durante todo o inverno das doenças tropicais que contraíra. Só retornou a Viena em agosto. Entre 1838 e 1840 realizou viagens ao norte da Alemanha, Dinamarca, Suécia, Rússia e ao sul da Alemanha, França, Inglaterra e Holanda. Natterer almejava redigir um livro sobre a Ornitologia mundial, mas faleceu, em 17 de junho de 1843, antes de concretizar seu projeto.
* Fontes:
DORN, Christa Tiedl - Johann Natterer e a Missão Austríaca para o Brasil - Brasil - São Paulo, 1999 - Editora Index.
WALLACE, Alfred Russel - Viagens pelos rios Amazonas e Negro - Brasil - São Paulo, 1979 - Editora da Universidade de São Paulo.
Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
90630 150 - Petrópolis - Porto Alegre - RS
Telefone:- (51) 3331 6265
Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br
E-mail: hiramrs@terra.com.br
1 comentários:
A foto mostrada não alude ao famoso naturalista Johann Baptist von Natterer e sim ao seu primo homônimo.
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