quarta-feira, 29 de abril de 2009

Sites estrangeiros vendem insetos brasileiros na internet



Animal amazônico em extinção está entre bichos vendidos. 
No Brasil, coleta de insetos da natureza é crime.


Borboletas, besouros, formigas e mariposas brasileiras estão à venda na internet em sites estrangeiros. Os animais, mortos e secos, são oferecidos para colecionadores. Além de insetos, algumas lojas virtuais vendem escorpiões, aranhas e fósseis do mundo todo.


Em um site de Taiwan, um dos insetos oferecidos é o besouro Macrodontia cervicornis, que vive na Amazônia. O animal, que chega a medir 17 cm, está na lista internacional de animais ameaçados de extinção, elaborada pela União Mundial para a Natureza (IUCN). Apesar de o site de vendas informar que o bicho tem origem no Peru, a organização ambientalista diz que o animal também vive no Brasil.


Seis lojas virtuais vendendo animais brasileiros foram encontradas pelo 
Globo Amazônia. Elas estão localizadas no Canadá, EUA, Itália, França e Taiwan.


Questionada sobre a origem dos animais, uma loja norte-americana de quadros com borboletas respondeu por e-mail que elas são criadas em fazendas espalhadas pelo mundo, e parte dos animais é solto na natureza. Já um vendedor de um site canadense diz que parte dos animais é capturada, e outra parte é criada. “Tudo dentro da lei”, diz ele.


O responsável pelo site francês afirma que a maioria dos insetos brasileiros vem de fazendas que criam os animais em cativeiro em Santa Catatina. “Alguns outros foram coletados muitos anos atrás, quando não havia leis sobre coleta de insetos. O restante tem origem em criações, a maioria no Japão.”

 

O dono do site de Taiwan, que oferece a maior variedade de animais, foi franco sobre a origem dos insetos. “Sinto muito, mas não sei como são capturados, e se essa captura é legal no Brasil. Eu os compro do Japão”, disse, por e-mail. Dois sites questionados não responderam.


Fazendas legalizadas

De acordo com o coordenador de operações e fiscalização do Ibama, Roberto Cabral, há fazendas em Santa Catarina autorizadas a criar borboletas para venda, mas a captura na natureza é proibida. “Isso configura caça comercial”, informa. Quem coleta os bichos pode ser punido com detenção de seis meses a um ano, mas a pena pode ser multiplicada por três se os animais forem vendidos.

 

No Brasil, comprar insetos desses sites também é considerado crime, e o comprador está sujeito às mesmas penas de quem vende. No caso dos insetos criados em fazendas, para que o negócio seja feito de forma legal é necessário que o vendedor forneça a nota fiscal no nome do comprador, listando as espécies vendidas e a quantidade. 

 

Para a ONG Renctas, que atua no combate ao tráfico de animais, não importa o tamanho dos bichos ou de que país eles vêm. Se a coleta é feita de forma ilegal, isso irá afetar a biodiversidade. "A caça, a coleta, o transporte e o comércio ilegal de animais silvestres afeta a fauna como um todo. O tráfico de animais silvestres é o terceiro maior comércio ilegal do mundo e os grupos criminosos envolvidos agem em escala internacional, não respeitando as fronteiras entre as nações", diz Marcelo Sathler, representante da organização.


Extinção Local

Segundo o Livro Vermelho da Fauna Brasileira Ameaçada de Extinção, há 96 insetos brasileiros que correm o risco de desaparecer. A vida dos animais é afetada pelo desmatamento, poluição de rios e uso de agrotóxicos.


Para Cabral, a captura dos insetos pode criar uma extinção local, ou seja, eles deixam de existir em determinado lugar. Quando isso ocorre em várias regiões, o animal acaba desaparecendo por completo.

 

Como exemplo, o funcionário do Ibama cita os insetos que via como criança, e que hoje não existem mais. “Na minha infância, eu via vagalume, louva-a-Deus, esperança e uma borboleta preta e amarela. Hoje, passando no local em que eu cresci, não há mais esses animais. Ocorreu a extinção local. Cada pessoa deve ter a sua gama de animais que visualizava quando criança e que hoje não vê mais em seus bairros.”


Acordo internacional

Um acordo entre 175 países regulamenta o comércio internacional de animais. Chamado de Cites (Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção), ele estabelece uma lista de seres vivos que precisam de documentação para serem vendidos entre países, além de proibir o comércio de algumas espécies. Na lista, contudo , figuram apenas sete espécies e seis gêneros (grupo com características muito próximas) de insetos.

 

Segundo Cabral, o processo de inclusão de um novo animal é complicado, principalmente se o bicho for entrar na categoria em que a comercialização é rigidamente controlada. “Para as espécies entrarem, é preciso que dois terços dos países aprovem”, informa.

 

Para não estimular o comércio internacional de animais, o endereço dos sites não foi citado nesta notícia.


terça-feira, 28 de abril de 2009


Acuña, Pedro Teixeira, e o Rio das Amazonas

 Por Cel Hiram Reis e Silva, 27 de Abril de 2009

"Parte de Cametá a expedição de Pedro Teixeira, capitão-mor por Sua Majestade, das entradas e descobrimentos de Quito e do rio das Amazonas. Levava um regimento dado pelo rei. Devia fazer a exploração do rio Amazonas, descobrir uma comunicação fluvial com Quito e escolher o limite mais conveniente entre os domínios das duas coroas e o local para uma povoação na linha divisória". (Barão do Rio Branco)

- Cristobal de Acuña

Filho de família nobre e influente nasceu em Burgos, em 1597. Ingressou na Companhia de Jesus, em 1612, e tão logo recebeu as ordens sacras foi enviado para a América. Foi professor de Teologia moral no Colégio de Cuenca (Quito) e mais tarde reitor daquele estabelecimento. Em fevereiro de 1639, juntamente com outro irmão da ordem, o padre André de Artieda, foi designado para acompanhar Pedro Teixeira na sua viagem de volta pelo rio das Amazonas chegando à Belém em dezembro do mesmo ano.

- Pedro Teixeira

As informações sobre a data de nascimento de Pedro Teixeira são conflitantes. O ‘Conquistador da Amazônia’, de ascendência nobre, nasceu em São Pedro de Cantanhede, distrito de Coimbra, Portugal em 1587 (ou 1570). Foi Cavaleiro da Ordem de Cristo e Moço Fidalgo da Casa Real e, na localidade de Praia, nos Açores, casou-se com Ana Cunha, filha do Sargento-Maior Diogo de Campos Moreno. Veio para o Brasil em 1607 com 20 (ou 37) anos onde contribuiu de forma notável para manutenção da soberania portuguesa na Terra Brasilis e na expansão da fronteiras amazônicas para além do tratado de Tordesilhas.

O currículo de Pedro Teixeira é vasto e impressionante e, por isso, reproduziremos somente algumas de suas operações mais importantes. Como alferes, em fevereiro de 1614, enfrentou os franceses na Batalha de Guaxenduba e, em 1616, juntamente com Francisco Caldeira Castelo Branco, fundou a cidade de Belém do Pará. Ainda em 1616, com duas canoas armadas bateu uma nau holandesa na foz do Xingu e, em maio de 1623, destruiu a Fortificação de Mariocay, onde havia se instalado uma guarnição de holandeses e ingleses, e neste mesmo local construiu a fortificação de Santo Antônio de Gurupá.

Em 23 de maio de 1625, Pedro Teixeira, tendo às suas ordens os Capitães Pedro da Costa Favela e Jerônimo de Albuquerque, ataca e toma o forte holandês de Maniutuba, na foz do Xingu. O comandante inimigo Oudaen consegue fugir, com parte da guarnição, em uma lancha, para a ilha de Tucujus”. Após a vitória do dia anterior, Pedro Teixeira desembarca na ilha de Tucujus (Amazonas), onde os ingleses, comandados por Philipp Pursell, tinham três fortins. Os dois primeiros foram tomados quase sem resistência, fugindo os defensores. Adiantando-se então, teve o Capitão Favela de sustentar viva peleja com os ingleses e holandeses, que vinham ao encontro. Os dois chefes inimigos, Pursell e Oudaen, ficaram no campo entre os mortos. O outro fortim rendeu-se a Pedro Teixeira”. (PARANHOS)

Em Maio de 1625 impede uma nova tentativa de ocupação pelos holandeses das ilhas da Foz do Amazonas; em 21 de Outubro de 1625 expulsa os holandeses da Fortificação de Torrego, na confluência do Maracapucu.

Em 21 de junho de 1629, “o Capitão Pedro da Costa Favela parte de Belém do Pará com a missão de tomar ou render o forte de Taurege (Torrego), construído pelos ingleses na margem esquerda do Amazonas. Nada consegue e suspende as hostilidades, retirando-se para a aldeia de Mariocai. O forte de Torrego só foi tomado, no dia 24 de outubro, por Pedro Teixeira”. (PARANHOS)

24 de outubro de 1629, “o Capitão Pedro Teixeira, que assediava com forças do Pará o forte inglês de Taurege, pelos nossos chamados Torrego, derrota um corpo inimigo, que vinha em socorro dos sitiados. O assédio começara no dia 24 de setembro, em que Teixeira ai desembarcou, vencendo a oposição do inimigo. Duas sortidas foram repelidas, e, vencido o socorro que esperava, rendeu-se no mesmo dia o comandante do forte, James Pursell, com 80 soldados e alguns índios. Arrasada a fortificação, seguiu Teixeira para a aldeia de Mariocai, depois Vila de Gurupá. A guarnição inglesa foi conduzida para o Pará e seu chefe remetido para Lisboa. O forte de Taurege ficava na margem esquerda do Amazonas, junto ao rio hoje chamado Toheré. Cumpre não confundir este James Pursell com Philip Pursell, morto em combate na ilha de Tucujus”. (PARANHOS)

Em 26 de outubro de 1629, “chegava o Capitão Pedro Teixeira com as tropas, que dois dias antes haviam rendido o forte de Taurege, e com os prisioneiros ingleses, à aldeia de Maiocai (10 anos depois Vila de Gurupá), quando o Capitão North, que trazia reforços para o inimigo em 2 navios maiores, 1 patacho e 2 ou 3 lanchas, tentou um desembarque. Repelido este ataque, foram os ingleses fundar o forte de Camaú, na ponta de Macapá, só conquistado pelos nossos a 9 de julho de 1932. (PARANHOS)

- A expansão da soberania portuguesa

No século XVII a região amazônica era palco de disputa pelas potências européias, como Castela, França, Holanda e Inglaterra. O governador do Estado do Grão-Pará e Maranhão, Jácome Raimundo de Noronha, em outubro de 1636, no período em que os portugueses se encontravam sob o jugo castelhano (Coroa Ibérica - 1580/1640), idealizou a expansão da soberania portuguesa na bacia amazônica antevendo que o período da restauração se avizinhava. Para concretizar o audacioso empreendimento, nomeou Pedro Teixeira para a chefia da expedição, com o propósito de estender os domínios de Portugal até as terras peruanas fundando povoados que marcassem o limite das terras da Coroa Portuguesa no Amazonas. O motivo para a escolha de Pedro Teixeira, além de suas qualidades militares, era seu profundo conhecimento da região e a política que implementava em relação aos indígenas.

- A narrativa

Cristobal de Acuña escreveu, em 1641, a ‘Relación del Descubrimiento del rio de las Amazonas’, a obra teve a sua primeira edição publicada em Madrid, pela ‘Imprensa del Reyno’. A crônica do padre jesuíta é leve, dividida em pequenos capítulos, com explicações objetivas e interessantes tornando sua leitura amena e agradável.

- Pedro Teixeira começa a sua viagem

Saiu, pois, este bom caudilho dos confins do Pará aos 28 de outubro de mil seiscentos e trinta e sete anos, com quarenta e sete canoas de bom tamanho e nelas setenta soldados portugueses, mil e duzentos índios de voga e guerra, que, juntos ás mulheres e moços de serviço, passariam de duas mil pessoas. Durou a viagem cerca de um ano, tanto pela força das correntes, como também pelo tempo que, em preparar subsistência para tão numeroso exército, era forçoso se gastasse, e principalmente por caminharem sem guias certos, que os pudessem dirigir sem rodeios nem dilações pelos caminhos mais curtos”.

- O capitão-mor chega a Quito

Com esta confiança e poucos companheiros, continuou Pedro Teixeira em seguimento do seu coronel, que já se encontrava desde alguns dias na cidade de Quito. Aí foram bem recebidos e agasalhados, tanto dos Seculares como dos Eclesiásticos, mostrando todos o prazer que sentiam em ver, em seu tempo, e por vassalos de Sua Majestade não só o descoberto, senão também navegado, desde a sua foz até suas primeiras nascentes, ao afamado rio Amazonas”.

- Resolução do vice-rei do Peru

Recebida naquela Real Audiência de Quito a notícia. que bastava para dar plano concreto do muito que às duas Majestades Divina e humana importava acudir com brevidade ao bom êxito de negócio tão importante, não se atreveram os senhores Presidente e Ouvidores a resolver coisa alguma, sem primeiro dar conhecimento ao vice-rei do Peru, que era então o Conde de Chinchón.

Conde de Chinchón: Jerônimo Fernandez de Cabrera Bobadilla y Mendoza chegou a Lima, como vice-rei do Perú em 14 de janeiro de 1629 e governou até 18 de dezembro de 1639. Seu nome está ligado à cinchona, a quina, usada como remédio contra a malária.

Este, depois de consultar sobre o assunto a gente mais ponderada da cidade de Lima, Corte daquele Novo Mundo, resolveu por carta sua ao Presidente de Quito (que era o licenciado D. Alonso Perez de Salazar), datada de dez de novembro de seiscentos e trinta e oito, que o Capitão Pedro Teixeira voltasse logo com toda a sua gente à cidade do Pará, pelo mesmo caminho por onde tinha vindo, dando-se-lhe todo o necessário para a viagem, pela falta que tão bons capitães e soldados fariam sem dúvida naquelas fronteiras, que de ordinário são infestadas pelo inimigo Holandês, mandando juntamente que, se fosse possível, se depusessem as coisas de modo que fossem em sua companhia duas pessoas dignas, às quais se pudessem dar fé pela Coroa de Castela, de todo o descoberto e do mais que na viagem de volta se fosse descobrindo”.

- A real audiência nomeia o padre Cristobal de Acuña para esta jornada

“(...) nomeou em primeiro lugar, para esta empresa, ao padre Cristobal de Acuña, religioso professo, e atual reitor do colégio da Companhia na cidade de Cuenca, jurisdição de Quito; e em segundo lugar, por seu companheiro, ao padre Andrés de Artieda, lente de Teologia no dito Colégio da mesma cidade de Quito. Aceita pelos senhores da Real Audiência a nomeação dos dois Religiosos da Companhia de Jesus, se lhes mandou uma Provisão Real (cuja cláusula pusemos no começo desta narrativa), na qual se lhes ordena que, sendo com ela requeridos, partam imediatamente da cidade São Francisco de Quito, em companhia do Capitão-Mor Pedro Teixeira, e chegando à do Pará, passem à Espanha, a dar conita ao rei, nosso Senhor, em sua real pessoa, de tudo o que cuidadosamente tiverem notado no decurso da viagem”.

- Peixe Boi e Pescados deste Rio

Contudo do que mais se alimentam e que, dizem, lhes faz pratos, é o incontave1 pescado, que com incrível abundância colhem todos os dias, às mãos cheias, neste Rio. Mas entre todos o que como Rei aí domina, e do qual está povoado todo o Rio, desde as suas nascentes até que deságua nos mares, é o Peixe-boi, peixe que de tal só tem o nome, pois não há pessoa que, quando o come, não o tenha por carne temperada; é do tamanho de um bezerro de ano e meio e na cabeça, se tivesse chifres e orelhas, não se diferenciaria dele; tem por todo o corpo alguns pelos, não muito compridos, a modo de cerdas moles, e se move dentro d’água com dois braço curtos, que em forma de pás lhe servem de remos, de baixo dos quais mostra a fêmea os seus peitos, com que nutre com leite os filhos que pare. Do couro, que é muito grosso, fazem adargas os guerreiros, e tão fortes, que bem curtido, não o atravessa uma bala de arcabuz.

Este peixe só se sustenta de erva que pasce, como se fosse boi verdadeiro, donde adquire a sua carne tão bom gosto, e é de tanta sustância, que com pequena quantidade fica uma pessoa mais satisfeita e com mais força que se comesse o dobro de carneiro. Debaixo d’água sustém pouco o anhélito e assim, onde quer que ande, levanta amiúde o focinho para cobrir novo alento, donde vem a sua total destruição, pois ele mesmo se vai mostrando ao seu inimigo; vêem-no os índios e o seguem em pequenas canoas, e esperam que, querendo respirar, tire fora d’água a cabeça, e cravando-o com os seus arpões, que fazem de conchas, lhe tiram a vida; dividem-no em porções médias, que assadas em grelhas de pau, duram, sem estragar-se, mais de um mês. Não fazem dele chacinas para o ano todo (e que são de muito preço) por não haver sal em abundância, que o que empregam para temperar as suas comidas é muito pouco, e feito de cinzas de certa qualidade de palmeiras, que mais é salitre que sal”.

- Tartarugas do Rio e como as guardam

Mas já que não lhes é dado conservar estas chacinas, não lhes falta indústria para terem carne fresca durante todo o inverno, que, embora não seja tão gostosa como aquela, é mais sã e não menos proveitosa. Fazem para isto uns currais grandes, cercados de paus, e cavados por dentro, de modo que, como lagoas de pouco fundo, conservem sempre em si a água de chuva. Feito isso, no tempo em que as tartarugas saem a desovar nas praias, eles também deixam as suas casas, e emboscando-se nos postos conhecidos, por elas mais frequentados, esperam que, saindo à terra, venha cada qual ocupar-se em fazer a cova onde pretende deixar os ovos; saem nesta ocasião os índios, cercam-nas pelo lado da praia, por onde devem fazer a sua retirada para a água, e de chofre acometendo sobre elas, em breve tempo se vê,em senhores de grande quantidade, sem outro trabalho que o de as virar de pernas para o ar, com o que, sem se poderem mexer, as mantêm todo o tempo que querem, até que colocadas todas em vários cordéis, por uns furos que lhes fazem no casco, lançadas na água, remando eles em suas canoas, as levam a reboque sem nenhum trabalho, até mete-las nos currais que fizeram, onde as soltam, dando-lhes por prisão aquele estreito cárcere, e alimentando-as com ramos e folhas de árvores, as mantêm vivas por todo o tempo que necessitam.

São estas tartarugas tão grandes e maiores que rodelas de bom tamanho; é sua carne como de vitela; as fêmeas tem no bucho, quando as matam, mais de duzentos ovos cada uma, um pouco maiores e quase tão bons como os de galinha, embora de mais difícil digestão. Estão nesse momento tão gordas, que de duas se tira uma botija de manteiga, a qual, temperada com sal, é tão boa, mais gostosa e dura muito mais que a cozida de vacas; serve para frigir peixe e para quaisquer gêneros de guisados, em que aqui se usa a melhor e mais delicada manteiga. Apanham estas tartarugas em tal abundância, que não há um destes currais que não tenha de cem tartarugas para cima, com o que nunca sabem estes bárbaros que coisa seja a fome, pois uma só basta para satisfazer uma família, por muita gente que tenha”.

- Modos de pescar que usam

“(...) O modo de pescar é diferente, conforme as variações do tempo e as enchentes ou vazantes das águas. Assim, quando estas baixam tanto que já os lagos secam, sem ter comunicação com o Rio, usam de uma espécie de trovisco, que naquelas costas chamam timbó, da grossura de um braço, pouco mais ou menos, e tão forte, que machucados dois ou três destes paus, e batendo com eles a água que ainda naqueles lagos mantém os peixes, apenas estes chegam a provar do seu vigor, todos se deixam apanhar com as mãos. Mas o modo ordinário com que em todos os tempos e ocasiões se apoderam de quanto peixe vive neste abastecido rio, é com as flechas que com uma mão arremessam de uma pazinha que sustentam, e cravadas no peixe, lhes faz o ofício de bóia, para conhecer onde, depois de ferida, se retira a presa, a que com presteza se arrojam, e agarrando-a, a recolhem nas canoas.

Arpão de bico: formado por uma haste de madeira nobre de mais de dois metros de comprimento e, em cuja ponta é adaptado um bico em forma de ponta de flecha. No bico é amarrada uma corda de fibra vegetal de mais de uma dezena de metros e a outra ponta da corda é amarrada na popa da embarcação. Depois de arpoado o peixe o bico se solta da haste e esta faz o papel de bóia e, o pescador pode conduzi-lo, depois de cansado, como se faz com uma linha de pesca.

Este modo de pescaria não se limita a uma ou outra qualidade particular de peixe, mas em geral se estende a todos, que nem uns por grandes, nem os outros por pequenos, são privilegiados, passando todos pela mesma rasoura. Com ser estes peixes, como já disse, de tão diversas qualidades, são muito bons de gosto, e muitos deles de particularíssimas propriedades, como é a de um peixe, que os índios chamam Poraque, que é a modo de uma enorme enguia, ou por melhor dizer, como um pequeno congro, o qual tem a propriedade que, enquanto estiver vivo, quantos lhes tocam tremem do corpo inteiro enquanto dura o contacto, como se tivessem um calafrio de quartans, cessando tudo no instante em que dele se apartam”.

- As ferramentas que usam

“As ferramentas de que se utilizam para trabalhar, não só as suas canoas, mas também as suas casas e o mais de que hão mistér, são machados e enxós, não temperados por bons oficiais nas ferrarias de Viscaia, mas forjadas nas frágoas de seus entendimentos, tendo por mestra, como em outras coisas, a necessidade. Esta lhes ensinou a cortar no casco mais duro da tartaruga, que é a parte do peito, uma prancha de um palmo de comprimento e pouco menos de largura, que curada no fumeiro, e afiada numa pedra, é presa num cabo, e com ela, como bom machado, embora não com tanta presteza, cortam o que desejam. Deste mesmo metal fazem as suas enxós, servindo-lhes de cabo para elas uma queixada de peixe-boi, que a natureza formou com a sua volta, de propósito para tal fim. Com estas ferramentas lavram tão perfeitamente, não só as suas canoas, mas também mesas, taboas, assentos e outras coisas, como se tivessem os melhores instrumentos de nossa Espanha.

Em algumas nações são estes machados de pedra trabalhada a poder de braços, que adelgaçam de modo que, com menos receios de quebrar-se, e mais depressa que com os outros de tartaruga, cortam qualquer árvore, por grossa que seja. Seus escopros, goivas e cinzéis para obras delicadas, que as fazem com grande primor, são dentes e colmilhos de animais, os quais encabados em seus paus, não fazem menos bem o seu ofício que os de fino aço. Quase todos tem em suas províncias algodão, uns mais, outros menos; mas nem todos dele se aproveitam para vestir-se, mas antes quase todos andam nus, tanto os homens como as mulheres, sem que a vergonha natural os vexe, a não querer parecer que estão no estado de inocência”.

- Rio das Amazonas

“Estas mulheres varonis tem sua sede entre grandes montes e altíssimos cerros, dos quais o que mais se alteia entre os outros, e que, como o mais soberbo, é combatido dos ventos com mais rigor, pelo que sempre se mostra descalvado e limpo de vegetação, se chama Yacamiaba. São mulheres de grande coragem, e que sempre se conservaram sem o comércio ordinário de varões, e mesmo quando estes, pelo acordo que tem com elas, vêm uma vez por ano às suas terras, recebem-nos com as armas nas mãos, que são arco e flechas, que atiram durante algum tempo, até que cientes de que vêm de paz os conhecidos, deixando as armas, acodem todas às canoas ou embarcações dos hóspedes, e tomando cada qual a rede que encontra mais à mão, que são as camas em que eles dormem, a levam para casa, e pendurando-a em sítio onde o dono a reconheça, o recebem por hóspede aqueles poucos dias, passados os quais eles voltam para as suas terras, repetindo-se todos os anos esta viagem pela mesma época.

As filhas fêmeas que nascem desta união, conservam e criam entre elas, porque são as que hão de levar adiante o valor e costumes de sua nação, mas os filhos varões não se sabe com certeza o que fazem com eles. Um índio que, sendo pequeno, tinha ido com seu pai a esta entrada, afirmou que os filhos varões eram entregues aos pais, quando no ano seguinte voltavam a sua terras. Mas contam os outros, e parece o mais certo por ser mais corrente, que reconhecendo-os como tais, lhes tiram a vida. O tempo descobrirá a verdade, e se estas são as famosas Amazonas dos historiadores, que guardam em sua comarca tesouros que dão para enriquecer o mundo todo”.

- Entra no mar o rio das Amazonas

“A vinte e seis léguas da ilha do Sol, debaixo da linha Equinocial, espraiado em oitenta e quatro de boca, tendo pelo lado do Sul o Zaparará e do oposto o Cabo do Norte, deságua no Oceano o maior pélago de águas doces que há no descoberto, o mais caudaloso rio de todo o Orbe: a Fenix dos rios, o verdadeiro Maranhão, tão suspirado e nunca acertado dos do Perú, Orellana antigo e, para dize-lo de uma vez, o grande rio das Amazonas, depois de haver banhado com as suas águas mil trezentas e cinquenta e seis léguas de extensão, depois de sustentar com suas riquezas infinitas nações de Bárbaros, depois de fertilizar imensas terras e depois de haver passado pelo coração de todo o Perú e, como canal principal, recolhido em si o melhor e mais rico de todas as vertentes.

Este é em suma o novo descobrimento deste grande rio que, encerrando em si grandiosos tesouros, a ninguém repele, mas antes, a todo gênero de gente convida liberal a que deles se aproveite. Ao pobre oferece sustento, ao trabalhador recompensa do seu trabalho, ao mercador empregos, ao soldado ocasiões de mostrar o seu valor, ao rico maiores riquezas, ao nobre honras, ao poderoso estados, e ao próprio Rei um novo Império. (...)”

Fontes:

ACUÑA, Cristobal de - Novo Descobrimento do Rio Amazonas - Uruguai, Montevidéu,1994 - Editora Oltaver.

PARANHOS, José Maria da Silva (Barão do Rio Branco) - Efemérides Brasileiras (1845-1912) - Brasil - Rio de Janeiro, 1946 - Imprensa Nacional.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva

Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)

Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)

Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)

Telefone:- (51) 3331 6265

Site: http://www.amazoniaenossaselva.com.br

E-mail: hiramrs@terra.com.br


domingo, 26 de abril de 2009

Carvajal, Orellana, El Dorado e o País da Canela



Carvajal, Orellana, El Dorado e o País da Canela

Por Cel Hiram Reis e Silva, 26 de Abril de 2009

“Si bien escrita sin arte, es el reflejo fiel de sus propias impresiones y de lo que presenció y el único documento que hasta ahora se conoce de aquel memorable suceso”. (Toribio Medina)

- Gaspar de Carvajal
Gaspar de Carvajal nasceu no ano de 1504, na pequena cidade de Trujillo, na Extremadura espanhola. Em 1537 partiu para o Peru com dez outros frades da Ordem dos Pregadores, também conhecida como Ordem dos Dominicanos. Em 1538, como vigário provincial de Lima, fundou o primeiro convento dominicano da América. Em 26 de dezembro de 1541, Pizarro determinou que Orellana que descesse o rio Coca, em busca de provisões, Carvajal o acompanhou. Quase nove meses depois, em 11 de setembro de 1542, chegou à ilha de Cubagua, onde tomou conhecimento da morte do bispo Valverde pelos índios da Puna e a de Francisco Pizarro pelos do Chile. Esses acontecimentos o levaram a não retornar com Orellana à Espanha, seguindo para Lima. Em 1544 ocupou o cargo de vice-prior do convento de Lima e, em 1548, prior do convento de Cuzco, de onde foi enviado para Tucuman, com o título de protetor dos índios. Em 1557 foi eleito provincial de sua ordem no Peru e, em 1575, encaminhou ao rei um documento solicitando-lhe que zele pela proteção e defesa dos índios.

- Francisco Orellana
Francisco de Orellana nasceu, em 1511, também, em Trujillo. Parente de Francisco Pizarro participou das conquistas de Lima, Trujillo e Cuzco. Quando soube que as cidades de Cuzco e Lima estavam sitiadas pelos índios partiu, imediatamente, em socorro de Francisco Pizarro. Em 1538 fundou a cidade de Santiago de Guayaquil sendo nomeado capitão general e tenente de governador. Nela permaneceu por dois anos, até ser chamado por Gonzalo Pizarro, irmão de Francisco, para acompanhá-lo na sua jornada ao ‘país da Canela’ e do ‘El Dorado’.

- A narrativa
A crônica do frade dominicano Carvajal é pesada, repetitiva e de difícil entendimento. São raras as informações a respeito da fauna, da flora e costumes indígenas. É específico, apenas, quando se refere às Amazonas. Extrapola, nos números, quando se refere a quantidade de nativos que habitavam as margens dos rios ou que enfrentaram pelo caminho, exagera no estado de beligerância, em que seus habitantes viviam e, na hostilidade aos viajantes. Ao mesmo tempo em que nos fala da exuberância da floresta na qual não havia ‘fome e miséria’, pois a ‘natureza era a principal fonte de subsistência’, os espanhóis enfrentavam privações de toda ordem e chegaram a comer os próprios cintos e as solas dos sapatos. Só conseguiam se alimentar quando eram abastecidos por tribos amigáveis ou tomavam de assalto as aldeias. Não se pode considerar sua ‘Relação’ como um documento histórico, pois o frade estava mais preocupado em impressionar o rei de Espanha e transformar Orellana e seus companheiros de viagem em heróis de uma épica jornada do que ser fiel aos fatos.

- País da Canela e do El Dorado
Esta expedição, como tantas outras antes e depois dela, foi motivada pela lenda do ‘El Dorado’ e do ‘País da Canela’, regiões de riquezas incomensuráveis que os espanhóis julgavam existir na Amazônia.
“Em fevereiro de 1541 partiu de Quito uma grande expedição espanhola com a missão de apossar-se do País de Canela e de procurar o legendário rei Dourado, que o gentio localizava no oriente andino. O comando foi dado a Gonçalo Pizarro, irmão de Francisco Pizarro, conquistador do Peru. Compunham-na 220 espanhóis a cavalo, 4.000 índios, 2.000 lhamas, 4.000 porcos e 1.000 cães. Grande quantidade de material era transportado: abastecimento de boca, pólvora, munição, arcabuzes e bestas.

Conforme entendimentos anteriores, Pizarro esperava a chegada de um reforço à sua coluna, que tinha partido de Guayaquil sob o comando de seu parente e amigo Francisco de Orellana. Por uma razão que se desconhece, Pizarro partiu de Quito antes da chegada de seu convidado. Constatado o fato, Orellana não vacila. Com seus 30 homens, segue os passos de Gonçalo Pizarro, adentrando-se nas misteriosas terras de Hatun Quijos. Quer alcançar o chefe o quanto antes. Mas a incursão de Orellana se revestiu de verdadeiro calvário. Duríssimo foi o contato com a Cordilheira, suas nevascas e tormentas. Depois de percorrer 30 léguas e de haver perdido pelo caminho todos os cavalos, roupas, bestas e arcabuzes, a expedição acabou alcançando Pizarro na localidade de Muti. Foi um raro momento de alegria, que durou muito pouco. Na tarde do dia seguinte, o céu escureceu e a terra começou a tremer, abrindo enormes crateras. A noite foi infernal. O vulcão Chimborazo começou a vomitar fogo, logo seguido pelos seus outros irmãos daquela família vulcânica. Os expedicionários, que jamais haviam visto antes um terremoto ou um vulcão em erupção, enchem-se de pavor. Os índios dispersam-se, os cavalos relincham, os porcos se perdem e o material ficou esparramado no fundo das crateras. Na região de Papallacta, a 6.000m de altitude, uma tempestade de neve mata 100 índios em um só dia.

(...) Chuvas pesadas e contínuas apodrecem as roupas dos espanhóis. Florestas virgens se antepõem ao passo do homem, sendo necessário abrir o caminho a facão. Umidade permanente, fome, febres, mosquitos, vampiros, jaguares, serpentes e aranhas venenosas convertem aquele território em um autêntico inferno verde. Cada passo adiante que dá a expedição de Pizarro, é uma conquista; cada metro, uma vitória. Ainda hoje, quatro séculos decorridos, nenhuma outra expedição se atreveu a cumprir a mesma rota.

Gonzalo Pizarro encontra, afinal, o vale da Canela. Fica, contudo, decepcionado já que os raquíticos arbustos não passavam de uma espécie inferior, sem valor comercial. Quanto ao rei Dourado, nem sinal. A expedição progride lentamente. O número de soldados enfermos aumenta a cada dia”. (BRASIL)

- A separação
Pizarro, em busca de suprimentos, permanece explorando a bacia do rio Napo, enquanto seu fiel escudeiro Orellana desce pelo rio Coca com o mesmo objetivo. As buscas infrutíferas de Pizarro esgotaram seus suprimentos forçando-o, por fim, a retornar a Quito com 80, dos 220, espanhóis que o haviam seguido. A Amazônia cobrava um alto tributo àqueles que a desafiavam e cobiçavam.

“Aí acabaram os povoados, e como já íamos muito necessitados, com falta de comida, mostravam-se todos os companheiros muito descontentes e falavam em voltar, não seguindo mais para diante, porque se tinha notícia de que havia um grande trecho despovoado.

Vendo o capitão Orellana o que se passava e a grande penúria em que todos estavam, tendo por sua vez perdido já tudo o que possuía, pareceu-lhe que não seria honroso voltar depois de tantos prejuízos. Dirigiu-se, portanto, ao Governador, dizendo-lhe que aí deixaria o pouco que possuía e seguiria rio abaixo. Que se a sorte o favorecesse, de modo que achasse nas proximidades comida com que todos se pudessem remediar, disso daria pronto conhecimento, e que se tardasse, não se preocupasse o Governador, mas voltasse para trás, para onde houvesse comida e ali o esperasse três ou quatro dias ou o tempo que lhe parecesse melhor, e se ele não chegasse, que não fizessem caso. Concordou o Governador em que ele fizesse como lhe aprouvesse.

Tomou consigo o Capitão Orellana a 57 homens, com os quais se meteu na embarcação que construíra e em algumas canoas que haviam tomado aos índios, começando a descer o rio com a intenção de volver logo que encontrasse víveres. Mas tudo saiu ao contrário do que todos pensávamos, pois não descobrimos comida num decurso de 200 léguas, nem nós a encontramos, padecendo por isso grandes necessidades, como adiante se dirá. E assim íamos caminhando, suplicando a Nosso Senhor que houvesse por bem guiar-nos naquela jornada, de maneira que pudéssemos volver aos nossos companheiros.
Dois dias depois que partimos e nos apartamos dos nossos companheiros, quase nos perdemos no meio do rio, porque o barco bateu num pau e quebrou uma tábua, de modo que, se não estivéssemos perto de terra, ali acabaríamos a nossa jornada. Mas remediamos de pronto, tirando água e pondo-lhe um pedaço de tábua, e logo começamos nosso caminho muito pressurosos. E como o rio corria muito, andávamos a vinte e a vinte e cinco léguas, porque o rio ia caudaloso, pelos muitos outros rios que nele desaguavam pela mão direita, para os lados do sul. Viajamos três dias sem nenhum povoado.

Vendo que nos havíamos apartado do local onde tinham ficado os nossos companheiros, e que havia acabado o pouco que trazíamos como mantimento para nossa viagem tão incerta como a que fazíamos, confabularam o capitão e os companheiros sobre a dificuldade em que nos achávamos, e a volta, e a falta de comida, porque, como pensávamos regressar logo, não medimos o comer. Confiados que não poderíamos estar longe, resolvemos prosseguir, e como nem no outro dia nem no imediato se encontrasse comida ou sinal de povoado (...). Estávamos em grande perigo de morrer da grande fome que padecíamos e assim, buscando o conselho do que se devia fazer, comentando a nossa aflição e trabalhos, resolveu-se que escolhêssemos de dois males aquele que ao Capitão e a todos nós parecia o menor, e foi ir por diante, seguindo o rio: ou morrer ou ver o que nele havia, confiando em Nosso Senhor que se serviria por bem conservar as nossas vidas até ver o nosso remédio”. (CARVAJAL)

- Nativos amigáveis
O cronista descreve os povos indígenas como seres de hábitos e costumes bárbaros, frequentemente exagerando nos relatos. Em contrapartida mostra os heróicos espanhóis como instrumentos de ‘civilidade’ e pretensos ‘salvadores de almas’. As narrativas são carregados de um tenso dualismo, um conflito entre as forças do bem e do mal. O cronista reafirma a superioridade do castelhano e considera os nativos como presas fáceis do demônio, almas que teriam de ser resgatadas. O ‘entendimento’, por parte dos caciques, do teor do discurso de Orellana, era determinado mais pela pólvora dos arcabuzes do que pela pretensa fluidez, do capitão, na língua nativa, tão propalada por Carvajal. 
“Avistando-os o Capitão, posse na barranca do rio e na sua língua, pois um pouco os entendia, começou a falar com eles e a dizer que não tivessem temor e que se chegassem, que lhes queria falar. E assim chegaram dois índios até onde estava o Capitão, que os amimou e lhes tirou o medo e lhes deu o que tinha, dizendo-lhe que fossem chamar o chefe, que lhe queria falar, e que o mesmo nenhum receio tivesse de que lhe viesse a fazer algum mal. Tomaram os índios o que lhes foi dado e logo foram dar o recado ao seu senhor, que veio logo mui luzido aonde estavam o Capitão e os companheiros, que o receberam muito bem e o abraçaram, mostrando o próprio Cacique sentir grande contentamento pela boa recepção que se lhe fazia. Logo mandou o Capitão que lhe dessem de vestir e outras coisas, com as quais ele muito se alegrou, e depois ficou tão contente que disse ao Capitão que visse de que tinha necessidade, que ele lhe daria, ao que o mesmo lhe respondeu que apenas o mandasse prover de comida, que de nada mais precisava. E logo o Cacique mandou que os seus índios trouxessem comida, e com muita presteza trouxeram abundantemente o que foi necessário, de carnes, perdizes, perus e pescados de muitas qualidades. Muito agradeceu o Capitão ao Cacique e lhe disse que fosse com Deus e que chamasse a todos os senhores daquelas terras, que eram 13, porque queria falar a todos juntos e dizer o motivo da sua vinda. Embora dissesse que no dia seguinte viriam todos, e que ele os ia chamar, ficou o Capitão dando ordens sobre o que convinha a ele e aos seus companheiros, dispondo sobre as vigílias para que, tanto de dia como de noite, houvesse muita cautela para que os índios não nos atacassem nem houvesse descuido ou frouxidão por onde tomassem ânimo para nos acometer de noite ou de dia.

No dia seguinte, à hora de vésperas, veio o Cacique trazendo consigo três ou quatro senhores, que os outros não puderam vir por estar longe, e que no outro dia viriam. Recebeu-os o Capitão como ao primeiro e lhes falou longamente da parte de Sua Majestade, e em seu nome tomou posse da terra; e assim o repetiu com os outros que vieram depois a esta província, que, como disse, eram treze.
Vendo o Capitão que estavam em paz consigo os senhores e gente da terra, satisfeitos com o bom tratamento, tomou posse da mesma em nome de Sua Majestade. Isto feito mandou reunir os seus companheiros, para falar-lhes sobre o que convinha à sua jornada e salvamento e às suas vidas, fazendo-lhes um longo discurso, animando-os com grandes palavras. Terminado este arrazoamento, ficaram todos muito contentes por ver a boa disposição do Capitão e com quanta paciência sofria ele os trabalhos em que estava, e também lhe disseram muito boas palavras e com as que o Capitão lhes dizia andavam tão alegres que não sentiam o trabalho que faziam.

Depois que os companheiros se refizeram tanto da fome e trabalhos passados, vendo o Capitão que era necessário providenciar para o futuro, mandou chamar todos os seus companheiros e lhes tornou a dizer que bem viam que com o barco e canoas que levávamos, se Deus fosse servido guiar-nos até ao mar, neles não podíamos sair com segurança. Era, portanto, preciso procurar com diligência fazer outro bergantim, que fosse de maior porte, para que pudéssemos navegar...” (CARVAJAL)

- Nativos hostis
“Ao meio dia os nossos companheiros já não podiam remar e íamos todos alquebrados pela noite mal passada e pela guerra que os índios nos faziam. O Capitão, para que a gente tomasse um pouco de repouso e comesse, mandou que aportássemos em uma ilha despovoada, que estava no meio do rio. Apenas começamos a cozinhar a comida, vieram canoas em grande quantidade e três vezes nos atacaram, de tal maneira que nos puseram em grande apertura. Vendo os índios que pela água não nos podiam desbaratar, resolveram acometer por terra e por água, porque, como havia muitos índios, havia gente para tudo. Vendo o Capitão o que os índios ordenavam, resolveu não os esperar em terra, embarcando e fazendo-se ao largo no rio, porque pensava ali defender-se melhor. Começamos a navegar, sem que os índios nos deixassem de seguir e dar combate, porque destas aldeias se tinham reunido mais de 130 canoas, nas quais havia mais de 8.000 índios e por terra era incontável a gente que aparecia.
Entre esta gente e canoas de guerra andavam quatro ou cinco feiticeiros, todos pintados e com as bocas cheias de cinza que atiravam para o ar, tendo nas mãos uns hissopes, com os quais atiravam água no rio, à maneira de feitiços, e depois de contornar os nossos bergantins, chamavam a gente de guerra, e logo começavam a tocar seus tambores e cornetas e trombetas de pau, e com grande gritaria nos atacavam. Mas os arcabuzes e balhestas, depois de Deus, eram o nosso amparo. Levaram-nos deste modo até meter-nos em angustura de um braço de rio. Aqui nos puseram em grande aperto, e tamanho, que não sei se algum de nós escaparia, porque nos tinham preparado uma emboscada em terra e dali nos abarcavam. Determinaram-se os da água a exterminar-nos, e já estavam muito perto de nós. Vinha adiante o capitão-general, muito destacado como homem. Um dos nossos companheiros, chamado Fernão Gutierrez de Celis, fez pontaria nele e lhe deu um tiro de arcabuz no meio do peito e o matou. Logo a sua gente desmaiou e acudiram todos a ver o seu senhor, e nesse meio tempo conseguimos sair para o largo do rio. Mas ainda nos seguiram durante dois dias e duas noites, sem nos deixarem repousar, que tanto durou para sairmos das terras desse grande senhor Machiparo, e que, no parecer de todos, teria mais de oitenta léguas, todas povoadas, que não havia de povoado a povoado um tiro de besta, e as mais distantes, não se afastavam mais de meia légua, e houve aldeias que se estendiam por mais de cinco léguas sem separação de uma casa para outra, o que era coisa maravilhosa de ver. Como íamos de passagem e fugindo, não tivemos oportunidade de saber o que havia terra a dentro. Mas segundo a sua disposição e aspecto, deve ser a mais povoada que já se viu. Diziam-nos os índios da província de Apária que havia um grandíssimo senhor terra a dentro, para o sul, que se chamava lca, e que ele possuía grandes riquezas de ouro e prata, noticia que tivemos por certa e muito boa”. (CARVAJAL)

- Amazonas

“A lenda das amazonas guerreiras percorreu todas as regiões celestes. Ela pertence àqueles círculos uniformes e estreitos de sonhos e idéias em torno dos quais a imaginação poética e religiosa de todas as raças humanas e todas as épocas gravita quase que instintivamente”. (Alexander von Humboldt)

Carvajal afirma que mesmo cansados, doentes e debilitados em decorrência da carência alimentar e da extenuante jornada pelo Rio-Mar os 59 homens derrotaram as amazonas. As temidas indígenas, hábeis no manejo do arco e da flecha, bem nutridas, formosas e adestradas para guerra, foram derrotadas por um punhado de espanhóis fracos e famintos.
“(...) Havia lá uma praça muito grande e no meio da praça um grande pranchão de dez pés em quadro, pintado e esculpido em relevo, figurando uma cidade murada, com a sua cerca e uma porta. Nessa porta havia duas altíssimas torres com as suas janelas, as torres com portas que se defrontavam, cada porta com duas colunas. Toda esta obra era sustentada sobre dois ferocíssimos leões que olhavam para trás, como acautelados um do outro, e a sustinham nos braços e nas garras. Havia no meio desta praça um buraco por onde deitavam, como oferenda ao sol, a chicha, que é o vinho que eles bebem, sendo o sol que eles adoram e têm como seu Deus.

Era esse edifício coisa digna de ser vista, admirando-se o Capitão e nós todos de tão admirável coisa. Perguntou o Capitão a um índio o que era aquilo e que significava naquela praça, e o índio respondeu que eles são súditos e tributários das Amazonas, e que não as forneciam senão de penas de papagaios e guacamaios para forrarem os tetos dos seus oratórios. Que as povoações que eles tinham eram daquela maneira, conservando-o ali como lembrança e o adoravam como emblema de sua senhora, que é quem governa toda a terra das ditas mulheres. Encontrou-se também nessa praça uma casa muito pequena, dentro da qual havia muitas vestimentas de plumas de diversas cores, que os índios usavam para celebrar as suas festas e bailar quando se queriam regozijar diante do já referido pranchão, e ali ofereciam seus sacrifícios com a sua danada intenção.
(...) Quero que saibam qual o motivo de se defenderem os índios de tal maneira. Hão de saber que eles são súditos e tributários das amazonas, e conhecida a nossa vinda, foram pedir-lhes socorro e vieram dez ou doze. A estas nós as vimos, que andavam combatendo diante de todos os índios como capitãs, e lutavam tão corajosamente que os índios não ousavam mostrar as espáduas, e ao que fugia diante de nós, o matavam a pauladas. Eis a razão por que os índios tanto se defendiam.
Estas mulheres são muito alvas e altas, com o cabelo muito comprido, entrançado e enrolado na cabeça. São muito membrudas e andam nuas em pelo, tapadas as suas vergonhas, com os seus arcos e flechas nas mãos, fazendo tanta guerra como dez índios. E em verdade houve uma destas mulheres que meteu um palmo de flecha por um dos bergantins, e as outras um pouco menos, de modo que os nossos bergantins pareciam porco espinho.

Voltando ao nosso propósito e combate, foi Nosso Senhor servido dar força e coragem aos nossos companheiros, que mataram sete ou oito destas amazonas, razão pela qual os índios afrouxaram e foram vencidos e desbaratados com farto dano de suas pessoas.

(...) Perguntou o Capitão como se chamava o senhor dessa terra, e o índio respondeu que se chamava Couynco, e que era grande senhor, estendendo-se o seu senhorio até onde estávamos. Perguntou-lhe o Capitão que mulheres eram aquelas que tinham vindo ajudá-los e fazer-nos guerra. Disse o índio que eram umas mulheres que residiam no interior, a umas sete jornadas da costa, e por ser este senhor Couynco seu súdito, tinham vindo guardar a costa. (...) Disse o índio que as aldeias eram de pedra e com portas, e que de uma aldeia a outra iam caminhos cercados de um e outro lado e de distância em distância com guardas, para que não possa entrar ninguém sem pagar direitos. (...) Ele disse que estas índias coabitam com índios de tempos em tempos, e quando lhes vem aquele desejo, juntam grande porção de gente de guerra e vão fazer guerra a um grande senhor que reside e tem a sua terra junto à destas mulheres, e à força os trazem às suas terras e os têm consigo o tempo que lhes agrada, e depois que se acham prenhas os tornam a mandar para a sua terra sem lhes fazer outro mal; e depois quando vem o tempo de parir, se têm filho o matam ou o mandam ao pai; se é filha, a criam com grande solenidade e a educam nas coisas de guerra. Disse mais que entre todas estas mulheres há uma senhora que domina e tem todas as demais debaixo da sua mão e jurisdição, a qual senhora se chama Conhorí. Disse que há lá imensa riqueza de ouro e prata, e todas as senhoras principais e de maneira possuem um serviço todo de ouro ou prata, e que as mulheres plebéias se servem em vasilhas de pau, exceto as que vão ao fogo, que são de barro.
Disse que na capital e principal cidade, onde reside a senhora, há cinco casas muito grandes, que são oratórios e casas dedicadas ao sol, as quais são por elas chamadas caranaí, e que estas casas são assoalhadas no solo e até meia altura e que os tetos são forrados de pinturas de diversas cores, que nestas casas tem elas ídolos de ouro e prata em figura de mulheres, e muitos objetos de ouro e prata para o serviço do sol. Andam vestidas de finíssima roupa de lã, porque há nessa terra muitas ovelhas das do Perú. Seu trajar é formado por umas mantas apertadas dos peitos para baixo, o busto descoberto, e um como manto, atado adiante por uns cordões. Trazem os cabelos soltos até ao chão e postas na cabeça coroas de ouro, da largura de dois dedos”. (CARVAJAL)

- Privações
“À falta de outros mantimentos, entretanto, chegamos a tal extremo que só comíamos couros, cintas e solas de sapatos cozidos com algumas ervas, de maneira que era tal a nossa fraqueza, que não nos podíamos ter em pé”. (Gaspar de Carvajal)
“Demorou-se nesta obra quatorze dias, de contínua e ordinária penitência, pela muita fome e pouca comida que havia, pois só se comia o que se mariscava à beira d’água, que eram uns caracóis e uns caranguejos vermelhinhos, do tamanho de rãs. (...) Daí saímos no dia oito do mês de agosto, bem ou mal providos, segundo as nossas possibilidades, pois nos faltavam muitas coisas de que carecíamos. Mas como estávamos em lugar onde não as podíamos obter, passávamos os nossos trabalhos como melhor podíamos. Fomos à vela, guardando a maré, bordejando de um e outro lado, sendo muito largo o rio, embora fôssemos entre ilhas, pois não estávamos em pequeno perigo quando esperávamos a maré. Como não tínhamos âncoras, estávamos amarrados a umas pedras. Mantínhamo-nos tão mal que nos sucedia muitas vezes garrar e voltar rio acima em uma hora mais do que tínhamos andado no dia todo. Quis nosso Deus, não olhando para os nossos pecados, tirar-nos destes perigos e fazer-nos tantas mercês que não permitiu que morrêssemos de fome nem padecêssemos naufrágio, do qual estivemos muito perto muitas vezes, já todos n’água e pedindo a Deus misericórdia”. (CARVAJAL)

- Foz do Amazonas (26 de agosto de 1542)
“Saímos da boca deste rio por entre duas ilhas, separadas uma da outra por quatro léguas de largura do rio, e o conjunto, como vimos acima, terá de ponta a ponta mais de cinquenta léguas, entrando a água doce pelo mar mais de vinte e cinco léguas. Cresce e mingua seis ou sete braças”. (CARVAJAL)

- Nova Cadiz
“(...) aportamos na ilha de Cubagua e cidade de Nova Cadiz, onde encontramos nossa companhia e o pequeno bergantim, que chegara dois dias antes, porque eles chegaram a nove de setembro e nós a onze, no bergantim grande, onde vinha o Capitão. Tanta foi a alegria que uns e outros recebemos, como não posso descrever, pois eles nos tinham por perdidos e nós a eles.
(...) Desta ilha resolveu o Capitão ir dar contas a Sua Majestade deste novo e grande descobrimento, o qual temos que é o Marañon, porque a desde a foz até à ilha de Cubagua 450 léguas, porque assim o vimos depois que chegamos”. (CARVAJAL)

Fontes: 
CARVAJAL, Frei Gaspar de - Relatório do novo descobrimento do famoso rio grande descoberto pelo capitão Francisco de Orellana (1542) - Brasil - São Paulo, 1941 - Companhia Editora Nacional.
BRASIL, Altino Berthier - Desbravadores do Rio Amazonas - Brasil - Porto Alegre, 1996 - Editora Posenato Arte & Cultura.

Coronel de Engenharia Hiram Reis e Silva
Professor do Colégio Militar de Porto Alegre (CMPA)
Acadêmico da Academia de História Militar Terrestre do Brasil (AHIMTB)
Presidente da Sociedade de Amigos da Amazônia Brasileira (SAMBRAS)
Rua Dona Eugênia, 1227
90630 150 - Petrópolis - Porto Alegre - RS
Telefone:- (51) 3331 6265
E-mail: hiramrs@terra.com.br



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